Crime nada tem a ver com saúde, educação e transporte, tem a ver com moral, legislação e com uma polícia equipada, apoiada e honrada, um MP e Judiciário eficazes, e presídios que não estejam nas mãos dos presos.
Dei uma entrevista para a RBS em Porto Alegre, talvez a melhor entrevista da minha vida (veja aqui). Falei sobre segurança em 5 minutos, afirmando que a crise de criminalidade foi criada pela impunidade, e recomendando uma estratégia em três planos: restruturação da polícia, retomada dos presídios e alteração das leis penais.
Postei o vídeo no Facebook e Whatsapp e a primeira crítica não demorou muito:
“Ouço uma entrevista do Roberto Motta falando de soluções mágicas para melhorar a segurança pública. Já trabalhei na segurança e hoje sou sócio de uma empresa do ramo, e conheço profundamente o problema. O problema não é a polícia, e sim o descaso, a inércia, a falta de ação e a comodidade da sociedade em não cobrar dos governantes os deveres obrigatórios do poder público: saúde, transporte, segurança e educação. Os parcos investimentos dos governos e o descaso com o crescimento das “comunidades”, que se multiplicam de forma geométrica, são os grandes fatores da insegurança. O cidadão instruído tem no máximo 2 filhos, enquanto nas comunidades, por falta de educação e orientação, as meninas começam a ter filhos com 11 anos, e aos 20 já são mães de 5 crianças. Elas crescem sem nenhum amparo do governo, sem saúde, sem escolas, e vendo todos os dias a violência praticada dentro e fora de casa. Viram verdadeiros animais”.
“O aumento do rigor das leis deveria ser um processo paralelo à criação de infraestrutura de água, esgoto, saneamento, saúde, educação, esporte, lazer e participação cívica. Esses deveriam ser de fato os pilares da reforma. E assim, com o passar dos anos, a insegurança iria paulatinamente ser reduzida”.
“Não existe nenhuma fórmula mágica que irá resolver a questão a curto, médio ou longo prazo, se não for tratado a causa”.
Respondi como já respondi a dezenas de críticas similares:
Prezado, eu resumi em 4 minutos meu pensamento. Depois vou publicar minha palestra inteira. É lógico que precisamos desenvolver o país e tirar as pessoas da pobreza. Entretanto, esta não é a causa do genocídio que vivemos. Em 1980, éramos um país mais pobre e tivemos uma taxa de homicídios de 11 por 100 mil habitantes. Hoje nosso PIB per capita mais do que dobrou em comparação a 1980, e temos 29 homicídios por 100 mil. A Índia vive na pobreza e tem taxa de 3 homicídios por 100 mil. Olhe ao nosso lado: Argentina, Uruguai, Paraguai todos têm taxas de homicídio que são um terço da nossa taxa ou menor. Temos 2 milhões de assaltos registrados por ano (imagine os não registrados); 98% deles NUNCA são esclarecidos, e 92% dos homicídios também ficam impunes.
Isso nada tem a ver com saúde, educação e transporte, tem a ver com moral, legislação e com uma polícia equipada, apoiada e honrada, um MP e Judiciário eficazes, e presídios que não estejam nas mãos dos presos.
Controle de natalidade é essencial, assim como todas as coisas que você menciona, para o desenvolvimento do país. Mas enquanto acharmos que o criminoso é um pobre coitado, um assaltante à mão armada já começar a cumprir pena no regime aberto (acontece no RS, por exemplo), e um homicida com menos de 18 anos ficar internado apenas 8 meses (caso do RJ), podemos ter as melhores escolas do mundo que não vai adiantar nada. Dê uma olhada no meu site para ver meus vídeos e artigos.
Meu crítico não se deu por convencido:
“Roberto, eu não disse ‘tirar pessoas da pobreza’, eu disse dar acesso ao conhecimento e dar dignidade, para que elas possam sair das condições deploráveis em que vivem e participar da sociedade. Em 1980 nossa população era muito menor, o país crescia em torno de 10% ao ano, tínhamos respeito às autoridades, à pátria, às instituições cívicas, à família e às autoridades. As escolas públicas ensinavam e a oferta de trabalho era farta. Hoje não existe respeito à família, a sociedade está em estado de calamidade, as instituições não funcionam, as autoridades são corruptas e as leis foram modificadas para que essas mesmas autoridades pudessem obter vantagens”.
“O nosso PIB está comprometido com o financiamento da dívida pública em pelo menos 74%, não temos infraestrutura, não temos saúde, educação, e a culpa é da segurança que deveria ser a última da hierarquia. Vamos em frente debatendo porque o tema é muito complexo”.
“Acho que a bandeira de defesa dos policiais é extremamente justa. Mas tenha certeza que o discurso comparativo com outras nações, gráficos, números, criação e aprimoramento das leis não identificam a causa do ENORME problema que ainda iremos enfrentar”.
Eu explico de novo:
Dar dignidade às pessoas é a missão número um do Estado. Estou 100% de acordo. Mas os números e comparações mostram que, mesmo em outros países que também falham nessa missão, nenhum vive uma crise da magnitude da nossa. Eu concordo que tudo o que você diz tem que ser feito. Apenas não concordo em tratar essas medidas como de segurança pública. Não é a falta de dignidade que fez a Ana Carolina Jatobá (uma pessoa de classe média) jogar a enteada da janela, nem a Suzane Richtofen matar os pais a paulada. Poderia listar dezenas de outros crimes. O problema de dizer que falta de dignidade (e pobreza, e “desigualdade”) causam o crime é que o Estado deixa de investir na polícia (cada vez mais desprestigiada, demonizada e vilanizada), nos presídios (que estão nas mãos das facções) e nas leis (cada vez mais permissivas). E são essas três coisas que combatem diretamente o crime. Não existe democracia sem leis, polícia e judiciário decentes — e nem saúde, educação e transporte enquanto não tivermos segurança para ir à esquina.
Meu crítico responde:
“Eu acredito que, se não fosse a crise profunda que atravessa o país, a solução do Roberto Motta poderia até funcionar. Mas o problema é muito mais complexo do que isso. Você pode condenar o cara à morte que pouca coisa vai mudar”.
Minha resposta:
Eu não tenho “solução”. Crime não tem “solução”. Até os países mais avançados têm crime. Claro que o problema é complexo. Na Índia também é, no Paraguai também é. E no México? Pois bem: a taxa de homicídios do México é a metade da nossa. Pena de morte não faz diferença; o que faz diferença é a alta probabilidade de ser preso e o cumprimento da sentença. Prisão faz toda a diferença. Olhe este gráfico aqui:
Não é questão de opinião; são fatos e dados. Desde que eu nasci, o Brasil está sempre passando por uma crise. Mas quem tem mais de 50 anos de idade — como eu — vai se lembrar do tempo em que ninguém tinha medo do crime no Brasil. E o Brasil de 50 anos atrás — adivinhe! — passava por uma profunda crise, e era muito, muito mais pobre e “desigual” do que é hoje.
A crise de criminalidade é fruto da impunidade. Para acabar com a crise, precisamos recuperar nosso sistema de justiça criminal recuperando a polícia, retomando os presídios e ajustando as leis penais.
É simples assim.
Publicado originalmente em: www.institutomillenium.org.br