Em 1800 o PIB per capita brasileiro era igual ao americano. Em 1913 o PIB americano já era sete vezes maior que o brasileiro (1). Tivemos crescimento econômico quase zero no século XIX. Foi ali que o Brasil ficou para trás.
Ao contrário do que aconteceu nos EUA, nossa independência em 1822 não abriu as portas para a industrialização da economia. Permanecemos com uma economia agrária, de baixa produtividade.
O transporte era inexistente. A inexistência de mercados de crédito e capital impossibilitava aos empreendedores importar tecnologia para a indústria.
Nossa economia e nossas finanças públicas dependiam da exportação de algodão e açúcar e, posteriormente, de café. Essa situação só começou a mudar na última década do século XIX, com a (lenta) introdução das ferrovias e a queda do custo de transporte.
O atraso no desenvolvimento do Brasil no século XIX foi causado pelas características intrínsecas da economia brasileira. A culpa foi exclusivamente nossa.
Tudo isso está documentado.
Mas alguns de nossos historiadores, antropólogos, sociólogos e economistas preferiram ignorar os dados históricos e criaram a Teoria da Dependência.
Essa teoria culpa os países desenvolvidos pelo nosso atraso.
Essa escola de pensamento, da qual fizeram parte intelectuais celebrados como Celso Furtado, rejeita o uso sistemático de dados quantitativos para testar hipóteses. E vai mais além: alguns de seus teóricos argumentam que as leis econômicas que regem as economias desenvolvidas não se aplicam aos países em desenvolvimento.
Somos subdesenvolvidos porque isso interessa aos países do primeiro mundo, diz a teoria. A única saída é uma revolução popular que elimine a burguesia e instale o socialismo, eliminando a nossa “dependência” dos países desenvolvidos.
Parece piada. Mas é sério.
A Teoria da Dependência afirma que o comércio internacional é a causa de nossa pobreza – ao contrário do que mostra toda a história da humanidade.
É esse raciocínio que criou a política de “substituição de importações” – aquela que ainda faz o brasileiro pagar uma fortuna por lixo made in Brazil, em vez de importar tecnologia de primeira linha, o que aumentaria a produtividade, geraria riqueza e espalharia progresso pela economia.
É esse raciocínio que diz que você só pode trazer 1.000 dólares em mercadoria de uma viagem ao exterior (até pouco tempo o limite era de 500 dólares).
É esse raciocínio que nos deu o iPhone mais caro do mundo.
A Teoria da Dependência é inconsistente com os dados econômicos e não consegue explicar a evolução histórica da nossa economia. Mesmo assim, a Teoria da Dependência ainda é a base dos estudos históricos econômicos na América Latina e está entranhada nos livros-texto de nossas escolas e universidades.
Uma mentira repetida mil vezes vira verdade.
O comércio exterior é uma das maiores fontes de enriquecimento das nações.
Exportando aquilo que fazem melhor e importando aquilo que, por várias razões, não conseguem produzir com eficiência, os países melhoram as condições de vida de suas populações e caminham em direção ao desenvolvimento.
A Teoria da Dependência disseminou em nossa cultura um preconceito profundo contra o comércio internacional.
As raízes criadas por essa visão ideologizada do comércio explicam o desempenho medíocre do Brasil no cenário internacional: somando importações e exportações, o total do nosso comércio internacional corresponde a menos de 30% do Produto Interno Bruto, enquanto em países como China, Índia, México e Rússia essa participação está acima de 50% e no Chile ultrapassa os 70%.
No Brasil, exportar e importar envolvem muita burocracia e o Estado é sempre um elemento complicador. Enquanto o custo de exportar um container é de 620 dólares na China, de 1.450 no México e de 1.650 na Argentina, no Brasil esse custo ultrapassa os 2.200 dólares.
Importações continuam sendo vistas, em nossa cultura e por nossos homens públicos, como algo negativo, a ser evitado a todo custo.
Isso cria inúmeras oportunidades para a criação de tarifas de proteção de mercado que, na verdade, protegem apenas alguns produtores à custa de toda a sociedade, que é forçada a pagar mais caro por produtos inferiores fabricados no Brasil.
Essa fabricação nacional, muitas vezes, consiste apenas em encaixar peças importadas e colocar uma plaquinha made in Brazil.
A falácia dessa visão negativa do comércio exterior e das importações já foi desmistificada por Henry Hazlitt em Economia em Uma Só Lição (2):
A única coisa que supera o medo de importar, que afeta todas as nações, é o desejo patológico de exportar. Nada pode ser mais inconsistente do ponto de vista lógico. A longo prazo, exportações e importações devem se igualar. São as exportações que pagam pelas importações e vice-versa […] […] como John Stuart Mill demonstrou com tanta clareza, o verdadeiro ganho do comércio exterior para o país não está nas exportações, mas nas importações. É através delas que os consumidores conseguem comprar no exterior produtos a preços melhores do que seria possível comprar de produtores nacionais, ou produtos que não existem no país. A verdadeira razão pela qual um país exporta é para pagar por suas importações.
O comércio exterior continua sendo visto como uma relação em que existe um ganhador e um perdedor. Mas, como diz Thomas Sowell (3):
Comércio internacional não é um jogo de soma zero. As duas partes têm que ganhar, ou o comércio não faria sentido. Não há necessidade de especialistas ou de burocratas do governo determinarem se ambos os lados estão ganhando. A maior parte do comércio exterior, como a maior parte do comércio doméstico, é realizada por milhões de indivíduos, e cada um deles pode decidir se o item comprado vale o que custa e se é um produto melhor do que itens alternativos oferecidos por outros vendedores.
Graças à Teoria da Dependência, há muitas décadas os consumidores brasileiros estão sujeitos a políticas de substituição de importações, principalmente na forma de tarifas que tornam a compra de produtos importados – seja um carro, uma máquina ou um serviço – muito mais cara. Sobre as tarifas diz Sowell (4):
Uma tarifa protecionista ou qualquer outro tipo de restrição à importação pode dar alívio imediato a uma determinada indústria e, portanto, receber o apoio político e financeiro das empresas e sindicatos daquele ramo. Entretanto, como muitos benefícios políticos, esse também é obtido à custa de outras indústrias e outros cidadãos que não são tão organizados, visíveis ou articulados.
NOTAS
(1) How Latin America Fell Behind: Essays on the Economic Histories of Brazil and Mexico, 1800-1914, Stanford University Press, 1997, p. 1.
(2) Henry Hazlitt, Economics in One Lesson, Three Rivers Press, 1979, p. 85 e p. 89.
(3) Thomas Sowell, Basic Economics, Basic Books, Fifth Edition, p. 475.
(4) Sowell, p. 491 e p. 447.