A partir do fim da Segunda Guerra Mundial estabeleceu-se no ocidente a crença de que o modelo político chamado de democrático – com voto popular universal (obrigatório no Brasil), governos eleitos periodicamente e três poderes “independentes” – as aspas são sempre necessárias – é a receita universal da paz e da prosperidade, que deve ser adotada por todas as nações.
Isso é, claramente, um equívoco.
Há extensas regiões do planeta cujas circunstâncias históricas e características culturais, geográficas e políticas jamais permitirão a adoção desse sistema.
O ocidente já deveria ter aprendido essa lição, por exemplo, no Afeganistão e no Iraque.
Não aprendeu.
Pior: ao mesmo tempo em que esse equívoco intelectual e geopolítico passou a ser aceito como dogma no ocidente, ficava cada vez mais óbvia a captura do modelo “democrático” ocidental por interesses corporativistas e privados.
Acontece diante dos nossos olhos, todos os dias.
Esses interesses usam o Estado como instrumento para extrair riqueza da maioria das pessoas e transferi-la para as mãos dos grupos que controlam o poder político. É daí que nasce o odiado “político profissional” ocidental, o populista cujo único objetivo é ser reeleito a cada quatro anos. Uma vez no poder, ele usará de todos os meios para jamais sair de lá.
O resultado é a degradação do sistema democrático. O que o ocidente tem visto é um Estado cada vez maior e mais perdulário, com dívida pública sempre crescente e aumento contínuo de gastos e impostos – tudo isso para financiar a máquina estatal, sempre operada em benefício dos grupos que a controlam e dos seus amigos.
Isso não acontece só no Brasil.
Esse processo ocorre no mundo todo, embora seja especialmente brutal e visível nos países em desenvolvimento. Neles ainda se alimenta a ilusão de que o “aperfeiçoamento das instituições” resolverá esses problemas; basta atingir o tal “Estado Democrático de Direito” e o cidadão, finalmente, receberá do papai Estado todos os “produtos e serviços gratuitos e de qualidade” aos quais ele tem direito.
Segundo o político populista ocidental moderno, o Estado deve fornecer tudo que o cidadão precisa, do berço ao túmulo. Claro que, para que essa felicidade total seja possível, os políticos e burocratas estatais precisam levar a sua parte.
Esse é um Estado superpoderoso e ultra competente, capaz de supervisionar atividades que vão desde a vida sexual dos seus cidadãos e o que eles aprendem nas escolas até a prevenção de deslizamento de encostas em todas as cidades do país.
Esse Estado é o sonho dos populistas; é o Estado que pode tudo, que concentra toda a riqueza e todo o poder nas mãos de poucos – riqueza e poder que são usados para garantir a vitória nas próximas eleições. Um povo que depende do Estado para tudo é um povo que não tem qualquer direito de escolha – principalmente a escolha de quem comandará o Estado.
Esse processo de transformação do sonho democrático em pesadelo populista já foi brilhantemente descrito por vários autores. Vale a pena ler Democracia, O Deus Que Falhou, de Hans-Hermann Hoppe, A Grande Degeneração, de Niall Ferguson e Além da Democracia, de Frank Karsten e Karel Beckman.
Mas a história fica ainda pior.
Nos últimos anos, o processo de deterioração do modelo democrático foi acelerado por um outro fator: o uso do Estado para a imposição da pauta “woke”.
O movimento “woke” é a mais nova criação do gramcismo cultural, a estratégia de transformação de pautas sociais originalmente legítimas e importantes em fantoches ideológicos cuja missão é promover conflitos entre grupos e disseminar conceitos marxistas revolucionários de forma subliminar. O objetivo final, como sempre, é destruir o sistema “capitalista opressor” e substituí-lo pela inalcançável e sempre mortal fantasia socialista.
O movimento “woke” exige um esforço organizado de invasão da esfera do comportamento privado para impor padrões de pensamento e comportamento considerados “corretos” por alguma autoridade central invisível.
O “woke” exige que o “Estado Democrático de Direito” invada a vida privada individual promovendo criminalização de opinião, censura e autocensura, ativismo judicial (para a produção de “leis” que nunca foram votadas por parlamentos) e realizando um patrulhamento minucioso do discurso público.
O pior aspecto da tirania “woke” é a manufatura contínua de novas exigências intelectuais, psicológicas e comportamentais que transformam a vida do cidadão comum em um balé em torno do abismo. É impossível saber que tipo de comportamento passou a ser proibido e que nova palavra ou slogan passou a ser de uso obrigatório. Um único “erro” pode significar difamação, exclusão social, desemprego e até penalização criminal.
Nem as empresas privadas escaparam da infecção woke; seus departamentos de marketing não têm mais como missão divulgar e vender produtos e serviços; sua missão agora é moldar um novo cidadão democrático, cujo pensamento, comportamento, expressão sensual e até linguagem precisam ser permanentemente monitorados e ajustados.
A mensagem mais comum desse moderno marketing woke – como vimos recentemente na propaganda de bancos, lanchonetes e até academias – é um anúncio que humilha e ofende de forma grosseira seus próprios clientes.
Esse é, portanto, um resumo rápido do ocidente moderno: o modelo “democrático”, baseado no voto “popular”, produziu um Estado que trabalha para si mesmo, extraindo riqueza cada vez maior da população em geral e a concentrando nas mãos de oligarcas e políticos profissionais.
Com a onda “woke”, esse Estado – ajudado pelas corporações que dele dependem – passou a exigir também subserviência moral e comportamental de seus vassalos – opa, quer dizer, cidadãos – traindo a narrativa essencial e original da democracia.
Esse é, obviamente, um modelo insustentável.
O que vem a seguir, ninguém consegue dizer. Mas uma observação atenta dos acontecimentos na Ucrânia pode ajudar a desfazer as ilusões perigosas com a qual o ocidente ainda se engana.
Antes que seja tarde.