Eleições são a forma de acesso do cidadão aos poderes Executivo e Legislativo nas repúblicas democráticas. Mas o que são democracia e república ?
Democracia vem da palavra grega dēmokratiā, formada por dēmos — povo — e kratos — força. É o governo do povo. É uma forma de divisão do poder político criada nas cidades-estado da Grécia antiga. Nessas cidades, os cidadãos se reuniam para decidir que leis deveriam ser criadas para o governo comum.
A democracia grega excluía mulheres, escravos, estrangeiros e todas as pessoas com menos de 20 anos de idade. Os cidadãos votavam apenas para decidir sobre leis; a escolha dos ocupantes de cargos políticos e administrativos era feita por sorteio. E mais importante: a maioria das cidades gregas era relativamente pequena, com poucos milhares de habitantes, a maioria dos quais se conhecia.
Segundo Robert Dahl in Polyarchy(1), a democracia moderna é definida como um sistema político onde se encontram as seguintes condições: o direito de votar, o direito de ser eleito, o direito dos líderes políticos de competir por votos, eleições livres e justas, liberdade de associação, liberdade de expressão, acesso a fontes alternativas de informação e instituições baseadas em votos. Nas democracias modernas, onde vivem milhões de pessoas que não se conhecem, o direito ao voto é universal.
República — que vem de res publica, que significa “coisa pública” em latim — é uma forma de governo originária da Roma antiga, em que os interesses de um país são considerados um assunto público, e não mais negócios privados de um rei ou imperador.
Depois que o último rei de Roma foi deposto no ano 509 A.C. o poder passou a ser exercido por dois Cônsules, que chefiavam o governo republicano. O Senado romano era o órgão representante da aristocracia. Seus membros não eram eleitos, mas nomeados pelos Cônsules. O Senado controlava as finanças públicas, a administração e a política externa.
A grande massa do povo romano — a plebe — era representada pelos Tribunos, que dividiam o poder com o Senado e os Cônsules.
Foi Montesquieu que definiu a separação dos poderes de uma república em Executivo, Legislativo e Judiciário. O Legislativo faz as leis, o Executivo as executa e administra o país, e o Judiciário resolve as disputas.
Essa é a descrição simplificada de uma realidade complexa. Na verdade, nas democracia ocidentais, todos esses poderes representam forças que se relacionam — se opondo e se aliando — em um contínuo jogo de ocupação de espaço e busca pela manutenção ou ampliação do seu poder.
Esse balé democrático-republicano acontece em todas as democracias ocidentais, e é conduzido sempre de forma imperfeita, influenciado pela vontade da sociedade (expressa no voto) e seguindo, de forma mais ou menos fiel, as regras do jogo expressas na Constituição e nas leis.
O relacionamento entre os poderes, que às vezes é de cooperação, às vezes de ataque, é descrito muito bem em dois livros recentes, Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, e O Fim do Poder, de Moisés Naím.
A maioria das pessoas não se dá conta da existência dessa disputa permanente entre os poderes, e muito menos percebe que ela não é um problema, mas uma característica intrínsica e inevitável da república. Esse conflito tem papel central na definição das políticas públicas e na geração dos resultados obtidos pelo Estado. A palavra-chave desse conflito é “moderação”.
Mas os brasileiros ainda têm a impressão de que o poder Executivo é o responsável único por todas as coisas — boas e ruins — que vêm do Estado.
É difícil alguém lembrar do Legislativo e do Judiciário. E mais difícil ainda perceber que há outras entidades com papéis fundamentais nesse processo.
Por exemplo, depois das mudanças da Constituição de 1988, o Ministério Publico pode ser considerado um poder independente. Tanto no Ministério Público Federal quanto nos Ministérios Públicos estaduais, os promotores de justiça tem independência funcional. Um promotor não depende da autorização de ninguém, nem de seu superior hierárquico, para, por exemplo, denunciar um político por suspeita de corrupção.
O mesmo se aplica, de forma quase igual, à Defensoria Pública, que recebeu completa autonomia. Observando-se as ações de defensores públicos é fácil concluir que ultrapassam em muito a estreita — e, na minha opinião, correta — missão original de defender o acusado no contexto do processo judicial. Em muitos casos, fica evidente o posicionamento político das ações, orientado pela doutrina jurídica do garantismo penal e por uma visão da criminalidade de caráter marxista.
Os Tribunais de Contas também são peças no complicado jogo de poder da democracia brasileira. Não é simples entender a dinâmica da análise e julgamento das contas do Executivo feito pelos tribunais, que são, ao mesmo tempo, um órgão de fiscalização técnica e uma entidade de caráter político (a nomeação para ministro ou conselheiro de um tribunal de contas é o sonho de aposentadoria de boa parte dos políticos).
Tudo se resume a isso:
Se um dia você for eleito e tomar posse em um cargo no Executivo, vai perceber que todo e qualquer ato que tomar estará sujeito ao escrutínio e aprovação (ou desaprovação) de todos esses poderes e entidades.
Mesmo os atos mais básicos, essenciais e urgentes precisam de demorada análise, consideração e aconselhamento.
Nunca tenha, nem por um momento, a ilusão de que a posse em um cargo eletivo significa a possibilidade de realizar os seus planos e projetos — mesmo que eles sejam corretos, estejam 100% dentro da legalidade, e sejam racionais e necessários.
Você sempre vai precisar da aprovação e apoio de inúmeras pessoas, espalhadas por várias instituições — e muitas dessas pessoas não foram eleitas.
Esquecendo isso, você arrisca seu poder, seu mandato, sua liberdade e seu patrimônio.
Voto é apenas uma parte da história da política. A outra é a luta diária pelo poder que é travada longe dos olhos dos eleitores.
É assim que funcionam as repúblicas democráticas.
(1) Robert Dahl, Polyarchy: Participation and Opposition. New Haven, 1971, Yale University Press.